Sorria, você está sendo monitorado!
- 07 ago 2017
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Aquela sensação de coincidência quando você comenta com seu marido no café da manhã sobre um possível destino de férias e no mesmo dia recebe múltiplas ofertas de passagens aéreas e pacotes turísticos exatamente para o mesmo lugar. Seria coincidência mesmo? E por que será que tantas pessoas ligadas à alta tecnologia, incluindo aí o poderoso Mark Zuckerberg, preferem fechar com uma analógica e antiquada fita adesiva a câmera embutida no notebook? Ou desabilitar o microfone do celular? Será que é paranoia coletiva ou de fato estamos todos sendo vigiados 24 horas por dia?
A verdade é que não existe privacidade em tempos de Big Data. Com o crescimento rápido do acesso a informações digitais, os algoritmos estão por toda a parte. Há aqueles mais conhecidos como os do Google, Amazon e Netflix, que recomendam filmes, livros e músicas de acordo com o seu perfil e preferência, mas há os mais sofisticados e complexos. Quem já viveu a experiência de estar parado no trânsito e, de repente, receber uma inusitada “ajuda” do Waze oferecendo um caminho alternativo, mesmo sem estar conectado ao aplicativo? E se você investe em bolsa de valores, certamente já foi assediado pelos robozinhos que pedem para negociar ações com sucesso para você. O volume de informações que as empresas conseguem capturar a seu respeito apenas observando o seu comportamento é de arrepiar qualquer agente governamental dos tempos da Guerra Fria. A chamada espionagem digital já virou rotina e somos nós, os usuários de internet, redes sociais, aplicativos de toda ordem, sites de compras e buscas, que alimentamos essas máquinas com nossas próprias informações e hábitos.
O mais interessante é ver que muitas vezes, nem nós nos conhecemos tão profundamente quanto eles, os algoritmos. Um artigo publicado recentemente na Exame.com discute quão fantástico e ao mesmo tempo assustador é o poder de análise destas máquinas, que giram em muito pelos bilhões de informações capturados diariamente pelo conglomerado Facebook-Google. Nele, um colaborador do New York Times, o analista de dados e ex-funcionário do Google, Seth Stephens-Davidowitz, diz que o Big Data pode nos ajudar a cumprir o que recomendava o oráculo de Delfos: conhecer a nós mesmos. Este é o ponto principal de seu livro, Everybody Lies: Big Data, New Data, and What the Internet Can Tell Us About Who We Really Are (“Todo mundo mente: Big Data, novos dados e o que a internet pode nos dizer sobre quem nós realmente somos”, numa tradução livre).
A tese de Davidowitz é que as pesquisas são menos assertivas porque muitos de nós mentimos quando respondemos e também porque nem sempre a metodologia empregada é confiável. Exemplo? Em pesquisas, as mulheres americanas dizem que fazem amor em média 50 vezes por ano, e usam camisinha 16% das vezes; isso daria, nos Estados Unidos, 1,1 bilhão de camisinhas por ano. Os homens dão números diferentes, que indicariam a venda de 1,6 bilhão de camisinhas. Nem um nem outro grupo está certo. Menos de 600 000 camisinhas são vendidas por ano no país.
É aí que entra o poder do Big Data, que consegue analisar o comportamento das pessoas e não somente o que elas dizem fazer. A Netflix aprendeu isso na prática. Assim que o serviço foi lançado, era perguntado ao usuário que tipos de filmes gostava e a partir daí ele passava a receber indicações de títulos para assistir. Mas não funcionou porque boa parte das pessoas colocava na pesquisa o tipo de filme que gostaria de gostar – ou que gostaria que os outros vissem que ela gostava – e não o que exatamente curtia.
Exemplo: eu digo que adoro documentários sobre culturas orientais e filmes europeus, mas o que acabo assistindo é a velha e previsível comédia romântica hollywoodiana. A partir daí, a Netflix mudou de estratégia e parou de fazer perguntas, passou a monitorar os cliques reais dos seus usuários para então sugerir outras opções. Com isso conseguiu aumentar o número de visitas e de filmes assistidos. Ou seja, como diz um ex-analista de dados da Netflix, Xavier Amatriain, “os algoritmos conhecem você melhor do que você conhece a si próprio”.
Vale lembrar que os dados colhidos pelos algoritmos não servem tão somente para bombardear você com novos serviços, produtos sob medida e campanhas publicitárias de toda ordem. Eles não querem só o seu dinheiro. Eles servem também para te conduzir social e politicamente. A equipe de estratégia de comunicação da campanha de Donald Trump soube usar muito bem os algoritmos a seu favor.
Em cada um dos 50 estados onde Trump fez discurso, em cada cidade que passou, ele recebia informações antecipadas de como era o comportamento daquelas pessoas, do que gostavam, o que almejavam, quem eram seus ídolos, seus medos, enfim, o que gostariam de ver em pauta. E Trump falava exatamente o que aquele grupo gostaria de ouvir. Especialistas dizem que ele ganhou as eleições justamente porque conseguiu dar relevância a um discurso único, mas que foi customizado para cada região.
No entanto, é Barack Obama que leva a fama de ter sido o primeiro político no mundo a usar algoritmos desse tipo em larga escala, oito anos antes e em toda sua gestão como presidente. Ou seja, toda aquela popularidade mundial deve-se em boa parte às fórmulas matemáticas que indicou a postura e o tipo de sorriso que as pessoas esperavam dele. Pouco romântico? Esta ferramenta poderosa, que responde pelo nome técnico de micro-targeting, é hoje a tábua de salvação das equipes de marketing político. O objetivo é adicionar relevância à mensagem, deixando as pessoas mais interessadas na ideia transmitida e assim criar uma identificação “natural” com o candidato apresentado.
Até aí, palmas para a esperteza política. O risco maior dessa brincadeira toda seria utilizar esta ferramenta para transmitir com eficiência e aderência ideias sexistas, racistas, neo-nazistas ou ainda aliciar novos membros de organizações terroristas, por exemplo.
Vítima ou beneficiário dos algoritmos? Você decide de que lado da moeda vai querer estar. A única certeza é de que, a menos que você seja um ermitão desconectado, ficar fora deste jogo definitivamente não é uma opção.
Karin Verzbickas
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